As conversas nos escritórios de algumas empresas estão indisciplinadas como as da internet. Isso porque as conversas de escritório agora também são conversas on-line. Muitas empresas estão funcionando virtualmente há quase um ano e planejam continuar assim durante 2021. E, da mesma maneira que algumas pessoas ficam mais ousadas por trás do teclado no Twitter, elas parecem ficar mais ousadas por trás dos microfones em aplicativos de mensagens de trabalho, como o Microsoft Teams e o Slack – com todas as coisas boas e todas as ruins, mas com muito mais responsabilidade legal.
Especialistas em cultura de trabalho também afirmam que existem medidas que as empresas podem tomar antes de envolver os advogados. Algumas delas: monitorar de perto chats com muitas pessoas, ouvir as reclamações, lembrar os funcionários de que eles estão no trabalho e não brincando com os amigos, e ter ciência de que a adoção de uma mão de obra virtual pode levar a novos problemas, como discriminação por idade.
Em muitas empresas dos EUA, é a primeira vez que os colegas são obrigados a trabalhar e socializar quase exclusivamente pela internet. Provavelmente, não haverá volta: quase metade dos trabalhadores norte-americanos está trabalhando remotamente em tempo integral, de acordo com Nicholas Bloom, economista de Stanford. Além disso, 67 por cento das empresas acreditam que o trabalho remoto se tornará permanente ou será uma realidade por muitos anos, de acordo com um estudo da S&P Global, que fornece análises financeiras.
“No início da pandemia, todo mundo ficou contente, dizendo que a produtividade não havia caído e que as empresas haviam feito a transição para o ambiente digital. Fizemos coisas que desejávamos: agilizamos processos, virtualizamos as coisas, descentralizamos o processo de tomada de decisão. Mas todos se esqueceram da cultura de trabalho. Agora essa realidade nos acertou em cheio”, declarou Jennifer Howard-Grenville, professora de Estudos Organizacionais da Universidade de Cambridge.
Colegas de trabalho estão ficando mal-educados
Quando fóruns virtuais, salas de bate-papo e o Facebook se tornam ferramentas de trabalho, o humor duvidoso se torna mais comum. Discussões políticas agressivas que não seriam travadas no ambiente de trabalho físico agora são normais. A hierarquia do espaço físico desaparece quando todos se resumem a nomes de usuário. Para confrontar a gerência, não é mais necessário atravessar uma sala e bater à porta. Quem confronta os colegas não é mais obrigado a dividir o mesmo espaço pelo resto do dia.
“Vi vários tipos de bullying nas plataformas internas de mensagens instantâneas e também um aumento desse tipo de reclamação”, informou John Marshall, advogado trabalhista e de direitos civis em Columbus, Ohio, acrescentando que o assédio de colegas em plataformas internas de mensagem não é novidade, mas se tornou mais comum.
Essas novas ferramentas foram criadas para ter semelhança com painéis de mensagens e redes sociais. Os trabalhadores percebem isso e assumem comportamentos similares, contam os pesquisadores. A natureza performática do Slack, no qual os colegas incentivam o debate em grandes salas de bate-papo por meio de emojis, por exemplo, acelera a comunicação e é difícil segurar o fluxo, depois que começa.
Razzetti tem um protocolo para emergências nos chats de trabalho. Primeiro, ele fecha o canal do Slack em que o problema está acontecendo. Depois, separa a equipe para fazer uma intervenção. Os colegas são orientados a refletir sozinhos. Em seguida, eles se encontram com outro colega para compartilhar seus sentimentos e então se reúnem em grupos de quatro pessoas. Por fim, esses grupos menores são reintegrados em um novo canal no Slack.
Qual é a solução?
Alguns professores e consultores recomendam soluções simples: fazer um post ou comentário de cada vez, estabelecer um tempo de silêncio para ler algo durante uma reunião por vídeo, antes do início da discussão, e dar 90 segundos aos funcionários para falar de política antes do início do dia de trabalho, em que comentários políticos são proibidos.
“Algumas pessoas estão brigando no trabalho remoto como se fossem adolescentes. Isso pode se tornar um problema muito sério”, ressaltou Razzetti. Por isso, a recomendação dos profissionais é tratar todos nós como se fôssemos adolescentes que brigam na internet.
Assim como tudo que envolve comunicação no local de trabalho – especialmente conversas por texto –, existem riscos legais. Há uma grande diferença legal entre um troll cheio de opiniões, mas que você não sabe quem é na internet, e um troll cheio de opiniões que pode influenciar em seu relatório de desempenho. As pessoas podem abrir processos se acreditarem que estão sendo assediadas.
Qualquer um que deseje evitar riscos legais sabe: texto é perigoso. O fato de que as discussões de trabalho estejam se desenrolando em chats virtuais é um pesadelo para as equipes legais.
“Você precisa garantir que não vai escrever – documentar – alguma coisa que possa ofender gravemente as pessoas. Nós, da Geração Y, a primeira a crescer com mensagens instantâneas, estamos tão habituados a interagir predominantemente dessa maneira que é difícil nos lembrarmos de que existem regras diferentes no ambiente de trabalho”, disse Leslie Caputo, que é “cientista de pessoas” na Humu, empresa que produz softwares de cultura de trabalho.
Os advogados estão começando a receber mais reclamações. Parte do risco envolve a casualidade com a qual as pessoas interagem nas plataformas, que geralmente são criadas para encorajar a interação casual.
“Estamos vendo atitudes mais relaxadas, no geral, e os funcionários têm tratado os colegas como se fossem amigos virtuais”, observou Danielle Sweets, advogada de Los Angeles especializada em danos pessoais.
Contudo, o que algumas pessoas interpretam como comentários amigáveis pode ser evidência de litígio para outras.
“Agora, se alguém estiver em um ambiente de trabalho hostil, tudo ficará registrado por escrito”, comentou Christina Cheung, sócia da Allred, Maroko & Goldberg, especializada em casos de assédio.
Um escritório de advocacia especializado em casos de discriminação publicou recentemente um post oferecendo seu trabalho: “Se você sofreu discriminação ou assédio em uma reunião virtual, não espere. Entre em contato com um advogado com anos de experiência em discriminação no ambiente de trabalho, em Nova Jersey, para conversar sobre suas opções legais”, escreveu o Phillips & Associates.
Muitas coisas já foram escritas sobre a divisão de gênero no trabalho remoto e sobre como as mães têm uma quantidade desproporcional de trabalho no ensino remoto dos filhos. Porém o trabalho remoto também tem ampliado outra divisão no ambiente de trabalho: a geracional. Funcionários mais velhos muitas vezes se sentem menos confortáveis com o bate-papo constante, que é normal para os trabalhadores mais jovens.
“Para eles, é duro não estar em uma sala cheia de pessoas. Com frequência, demoram mais a participar da conversa no Slack. Que impacto isso terá nos relatórios de desempenho? Será que corremos o risco de aprofundar o preconceito etário?”, disse Caputo, da Humu.
Um exemplo: quando um funcionário tem dificuldades para usar um novo software ou se esquece de abrir o microfone antes de falar, o chefe pode fazer uma piada e chamá-lo de “boomer”.
Naturalmente, essas mudanças também trazem benefícios. Caputo encontrou novas formas de se conectar com os colegas. Sua filha tem alergia alimentar severa e agora existe uma sala de bate-papo da Humu para pessoas com os mesmos problemas. Um integrante do alto escalão faz parte do grupo e todos fizeram amizade.
As normas de conversação pela internet dependem de um misto específico de anonimato, falta de autoconsciência, senso de proteção e humor. Atrás de um avatar e de um nome de usuário, podemos ser mais diretos ou cruéis, leves, corajosos e charmosos. A comunicação on-line proporciona uma sensação de distância, de segurança e – o que é fácil ignorar em meio a tantas preocupações com a cultura de trabalho virtual – de diversão. Isso também contribui para que muitos funcionários que geralmente não falariam em ambientes físicos interajam mais.
Sammy Courtright, um dos fundadores e diretor de marca da Ten Spot, empresa que cria ferramentas de engajamento saudável no ambiente de trabalho, compara o comportamento no local de trabalho com encontros virtuais. Conhecer uma pessoa em um bar e começar uma conversa exige um nível de empatia e atenção que nem sempre é necessário quando conversamos com alguém pelo Tinder. “Isso é empoderador, de certa maneira; as pessoas podem dizer o que querem. Talvez a persona delas seja mais direta pela internet porque podem ser quem quiserem”, concluiu Courtright (Fonte: Exame).